segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Dança do Ventre e Arte

"Dança do ventre é puro exibicionismo. Uma arte vulgar." Já ouvi essa frase algumas vezes por aí. Quando não é anunciada literalmente, soa nas entrelinhas de um "não gosto muito de dança do ventre", aliada a uma cara de nojo e uma expressão bem pejorativa como se fosse uma arte inferior, vulgar ou uma "não-arte". Imagino que pessoas que tenham esta visão ignorem o quanto uma mulher precisa estudar e transcender obstáculos internos e externos para obter uma dança fluida e simples. A jornada é longa e certamente traz inúmeros benefícios para o corpo, para a mente e, principalmente para a alma. Estou no meu caminho, tentando chegar lá. Aonde minha alma possa voar sorrindo e meu corpo traduzir alaúdes, flautas, violinos e derbakes com amor e sinceridade. Com público, sem público. Simples assim. É complicado ser simples. Mas complicar... Ah, isto sim é bem simples de fazer. A dança do ventre liberta o corpo de muitas amarras e expressa a natureza feminina ao mundo, tão massacrada ao longo da história humana. Para afirmar a natureza feminina e legitimar o espaço da mulher no mundo não é preciso provar à sociedade machista que a mulher desempenha qualquer função masculina com destreza e habilidade (com exceção dos trabalhos braçais, é claro). Isto não é nenhuma novidade, convenhamos. Também não é inteligente apelar para a sensualidade como a última bolacha recheada do pacote. O componente sensual da dança é indiscutível, e, cá prá nós, que poeta não cantou a beleza da sensualidade de uma mulher? Seja pelo olhar, pela ternura, pela força, pela maternidade, pelas curvas.... O que seria do planeta sem as mulheres? Não seria. A dificuldade de ser mulher na atualidade consiste em conciliar a natureza feminina mais pura e simples - e acredito que a sensualidade esteja incluída neste pacote - com todas as funções cotidianas e "verticais" que toda mulher independente precisa desempenhar. Díficil assumir nosso lado "mulherzinha mesmo e daí" com a verticalidade compulsória que o mundo exige como um grito forte no ouvido de mães, avós, solteiras, comadres, viúvas, separadas, casadas, tias, professoras, engenheiras, atrizes, advogadas, médicas, astronautas e bailarinas... Quem é vertical demais vira um poço de frieza e racionalidade. Quem apenas sonha não consegue pisar no chão e caminhar. Então, mulheres de todos os biotipos, idades, formas e personalidades: Dancem, pelo amor de Deus! Ignorantas de plantão: curem seus complexos e traumas antes de criticar quem cultiva a flor no deserto. Esta é uma arte milenar, feminina, pura, digna e legítima como qualquer expressão artística.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O guardinha da Dilma e a seca


Derretendo no meio daquele uniforme pesado e hostil, o guardinha da Dilma está bem ali, parado em frente à rampa do Palácio do Planalto debaixo do sol quente. Clima árido, poeira seca no ar, grama marrom queimado ao redor e... as obras insanamente belas e viscerais de Niemeyer em meio ao sertão de concreto. Tudo arde em setembro. Ouvi dizer que o sertão vai virar mar. E o mar... lavará a seca dessa terra fria, vendida, automática, compulsoriamente burguesa e... seca. O guardinha não tem pretensões: obedece porque seu trabalho escraviza e aprisiona. E aprisionado por aprisionado, já está ali naquele corpo de carne mesmo... Uma camisa de força a mais ou a menos não trará grande diferença. E olhando bem, seu uniforme até que é bonito... Seu chapéu é um pouco grande para sua cabeça, mas protege seu ralo cabelo do sol. Protege a careca também. Então ele passa seus dias e meios-dias debaixo daquele sol para proteger o palácio da presidenta da república. Ás vezes sua pressão cai, então ele sonha em pé, no seu uniforme enfeitado. Sonha que está na beira do Araguaia, com seu próprio barco de pesca e seus anzóis, esperando as bocadas de algum pintado comprido... Mas o sonho vem e vai rápido... É o tempo do colorido que os olhos enxergam voltar ao normal. Ele não pode desmaiar. Então trata de prender a respiração bem forte e soltar de uma vez, numa tentativa de pressionar a circulação da cabeça... Pensa que nada pode fazê-lo desmaiar, nem mesmo a baixa pressão, nem mesmo o sol, nem mesmo a secura, nem mesmo a fome, nem mesmo seu barco de pesca no Araguaia... "Sou muito importante aqui, fazendo o que faço, sendo o que me disseram para ser." Então ele se atenta para os carros que passam e procura adivinhar para onde aquelas pessoas estão indo nas suas correrias diárias... "O velho senhor do caminhão azul deve entregar móveis e aquele carro blindado deve ser de algum senador. Aquele outro amarelo que parece um disco voador deve ser do filho de algum deputado, indo para casa de um amigo celebrar a sexta-feira. Aquela mulher no carro prata estava chorando, dirigindo rápido. Talvez estivesse indo para casa... Ou fugindo dela... Talvez tivesse perdido algo ou alguém. Talvez estivesse sentindo dor de dente ou dor de alma mesmo... Quanta tipo de gente passa aqui na minha frente, cada qual dum jeito, cada um com seu destino... Fiquei assim com um aperto no coração ao ver aquela mulher chorando. Mas ao menos suas lágrimas abrandaram um pouco a poeira seca desse sertão de cimento. Ao menos algo vivo sai desse concreto armado, belo, insano e árido do setembro candango. Ao menos tem algum... ser... humano... vivo... nessa seca desse planalto sem fim." E prende novamente a respiração. Ainda faltam quatro horas para acabar seu plantão seco.

sábado, 2 de julho de 2011

Gralhas e Migalhas

Ora grande... Ora pequena... Às vezes o respeito pelo ser humano nos proíbe a alma de fazer qualquer crítica, qualquer correção... Mas existe uma forma de se comunicar sem que haja equívocos intencionais aparentes. Olhar nos olhos do interlocutor mostra o intuito, revela o jogo. Mas não é qualquer olhar à toa, não. Tem que ser aquele olhar de alma de irmão que não demonstra outra intenção senão a que é perceptível ao invisível. Não há engano. Dúvida tampouco. Isso é tão maravilhoso e confortável porque o que move o andar da civilização é a dúvida... E a dúvida ao mesmo tempo que impulsiona traz uma imensidão de possibilidades e de meias-verdades... É tão bom ter atitudes que não falham... O repeito ao outro não falha. Ser humano não falha, nunca, nunca... Por mais que existam possibilidades de recebermos em troca o desrespeito e a ignorância, pode-se ter a consciência tranquila de que usamos a docência em benefício comum. Mas mostrar o olhar não mostra necessariamente a intenção. Mostrar o olhar que sente intenção realmente revela qual é a intenção. Não tem balela, conversinha fiada, diplomacia, boa vizinhança. Só respeito pelo outro. Pré-requisito básico à sobrevivência com as gralhas que se matam por algumas migalhas de pão e por um lugar ao Sol. O Sol nasce prá todos, mas há aqueles que querem seu brilho todo prá si. Afinal, prá que servem as migalhas se todos trilham um caminho que dará em um lugar melhor ao final? Não digo isto por convicção religiosa, político-partidária ou filosófica. Apenas porque meu coração acende uma luz quentinha toda vez que sou mais gente com qualquer gente. Queria correr o mundo conhecendo gentes, apesar de sempre me esconder delas quando sinto que meu respeito não foi retribuído, ou quando sou tão tola ao ponto de não perceber maldade, inveja e malícia vinda de uma gralha qualquer... Daí me recolho até que uma boa ação em minha direção me prove que apesar de todos os percalços, é preciso paciência e sabedoria com as gralhas... Porque não aspiram nada mais do que migalhas... Que se matem por elas... Mas se um dia precisarem de mim, contem com minha solidariedade e com meu mais sincero olhar de respeito. Não por serem gralhas, mas por carregarem potencial de serem gente. Isso é tudo que posso oferecer atualmente por enquanto... Isso é tudo que aprendi. Interações entre minhas experiências e fracassos, constatações, medos, alegrias, amores, desamores, loucuras e saudades. Antes meu olhar era de menina. E agora continua sendo. Não brigo por migalhas. Mas em minha direção, só quero olhar de alma.