sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O guardinha da Dilma e a seca


Derretendo no meio daquele uniforme pesado e hostil, o guardinha da Dilma está bem ali, parado em frente à rampa do Palácio do Planalto debaixo do sol quente. Clima árido, poeira seca no ar, grama marrom queimado ao redor e... as obras insanamente belas e viscerais de Niemeyer em meio ao sertão de concreto. Tudo arde em setembro. Ouvi dizer que o sertão vai virar mar. E o mar... lavará a seca dessa terra fria, vendida, automática, compulsoriamente burguesa e... seca. O guardinha não tem pretensões: obedece porque seu trabalho escraviza e aprisiona. E aprisionado por aprisionado, já está ali naquele corpo de carne mesmo... Uma camisa de força a mais ou a menos não trará grande diferença. E olhando bem, seu uniforme até que é bonito... Seu chapéu é um pouco grande para sua cabeça, mas protege seu ralo cabelo do sol. Protege a careca também. Então ele passa seus dias e meios-dias debaixo daquele sol para proteger o palácio da presidenta da república. Ás vezes sua pressão cai, então ele sonha em pé, no seu uniforme enfeitado. Sonha que está na beira do Araguaia, com seu próprio barco de pesca e seus anzóis, esperando as bocadas de algum pintado comprido... Mas o sonho vem e vai rápido... É o tempo do colorido que os olhos enxergam voltar ao normal. Ele não pode desmaiar. Então trata de prender a respiração bem forte e soltar de uma vez, numa tentativa de pressionar a circulação da cabeça... Pensa que nada pode fazê-lo desmaiar, nem mesmo a baixa pressão, nem mesmo o sol, nem mesmo a secura, nem mesmo a fome, nem mesmo seu barco de pesca no Araguaia... "Sou muito importante aqui, fazendo o que faço, sendo o que me disseram para ser." Então ele se atenta para os carros que passam e procura adivinhar para onde aquelas pessoas estão indo nas suas correrias diárias... "O velho senhor do caminhão azul deve entregar móveis e aquele carro blindado deve ser de algum senador. Aquele outro amarelo que parece um disco voador deve ser do filho de algum deputado, indo para casa de um amigo celebrar a sexta-feira. Aquela mulher no carro prata estava chorando, dirigindo rápido. Talvez estivesse indo para casa... Ou fugindo dela... Talvez tivesse perdido algo ou alguém. Talvez estivesse sentindo dor de dente ou dor de alma mesmo... Quanta tipo de gente passa aqui na minha frente, cada qual dum jeito, cada um com seu destino... Fiquei assim com um aperto no coração ao ver aquela mulher chorando. Mas ao menos suas lágrimas abrandaram um pouco a poeira seca desse sertão de cimento. Ao menos algo vivo sai desse concreto armado, belo, insano e árido do setembro candango. Ao menos tem algum... ser... humano... vivo... nessa seca desse planalto sem fim." E prende novamente a respiração. Ainda faltam quatro horas para acabar seu plantão seco.