segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Perdeu o filho matado por engano e virou bruxa


Estava lendo Jodorowsky falando sobre os magos e curandeiros que cruzara seu caminho, seus ritos e fórmulas primitivas eficazes quando ela me cutucou para conversar. Ele tinha 16 anos, era muito querido por todos, deu sua mesada para o avô no interior do Pernambuco quando tinha 10 anos... Fez promessa prá ele aos 7 dizendo que voltaria para buscá-lo dali a 3 anos. E cumpriu a promessa. Voltou, mas não conseguiu levá-lo para São Paulo para perto dele e da mãe. Um policial o matou pensando que era outro. Foi um engano... Morreu por engano...Demorou mais de um ano prá ela se lembrar que não era um vegetal... Mais de dez anos prá conseguir ver um policial na rua sem sentir vontade de chutar, cuspir e amaldiçoar. Foi embora de São Paulo, desgostosa. Vendeu seu barraco a preço de banana e foi para Brasília. Foi vivendo, pequenina, magra, miúda, com olhos vivos e espertos... Voz forte e rouca, mas terna... Muito miúda mesmo. Recomeçou a viver pegando uma menina órfã para criar e por ela vive até hoje. Filha de um pernambucano de 88 anos e 22 filhos, Edilcéia transcendeu a religiosidade... Atende pessoas de todos os lugares em sua casa por suas faculdades curativas e videntes... Veio sentada ao meu lado no pau-de-arara de São Paulo a Brasília. Contou-me toda sua história, como reencontrou 18 dos irmãos após 30 anos longe, como descobriu uma irmã desaparecida pelo programa de rádio e como a casa do pai no interior parecia um acampamento, com colchões por todos os lados... Mais de 100 pessoas entre tios, irmãos, sobrinhos, netos, bisnetos, primos, todo mundo espalhado pelo chão numa alegria sem fim. Falou sobre perdão e perda... Sobre alegria e emoção... Sobre dor e morte... Sobre valor e Deus... Um dia bateu na sua porta um jovem bonito. Pediu que o benzesse e que trouxera um objeto para que benzesse também. Era uma arma... E ele... Um policial... Ela chorou, engoliu em seco e naquele dia perdoou prá sempre o assassino de seu filho e todos os policiais.... Entendeu naquele momento como a vida era passageira, e como o ser humano era frágil.... E como deveríamos nos amar e nos ajudar sempre, sempre... Eu escutando, muito quieta e respeitosa. Pegou minha mão e me disse que tomasse posse da minha vitória. E que acreditasse no valor do meu sorriso. E que não deixasse ninguém me usar de qualquer forma... Que cuidasse bem do meu coração... Que o meu tava guardado e que estava vindo muito em breve... Falou que guardasse a data, 03 de fevereiro de 2013. Minha vida nunca mais seria a mesma. As coisas começaram a mudar mesmo. Não dormi no pau de arara, tinha uma goteira no teto, na direção da minha cabeça, a poltrona reclinava bem pouco... Então vim refletindo, ouvindo música, pensando, olhando o céu... Minha coluna doía, mas meu coração tava confortado. Que mulher era aquela? Como me falara sobre coisas a meu respeito sem me conhecer? Disse que eu teria uma família linda e que via duas alianças, uma de ouro e uma espiritual... Que eu teria um sonho e que deveria procurar uma pessoa entendida prá me dizer o que significava... Esse sonho ia revelar meu destino... Que não tentasse mudar pessoas que estavam presas no mundo material... Que essa missão não era minha... Mas que quando amasse, que pedisse proteção para estar andando na direção certa. Que não caminhasse com minhas pernas, mas com as pernas de Deus... Que se sentisse vazio no coração quando estivesse com a pessoa amada, que isso talvez fosse Deus tentando me livrar de algo.... Que em sua visão, me via linda, toda produzida vestida de branco, olhando no espelho minutos antes de casar, lembrando dessa conversa com ela no ônibus. E que nunca desacreditasse na beleza do meu coração e na humildade da minha alma. Fiquei um pouco chorosa, mas tava escuro, de madrugada, não dava prá ver meu choro. Hoje me ligaram marcando um almoço de trabalho prá amanhã. Tenho muita gratidão por aquela bruxinha humilde, mulher forte, guerreira... Não sei se tudo que ela disse tem sentido, mas a força da sua fé me contagiou de alguma forma... "Toma posse do que já é seu Ana... Toma posse da tua vitória... Teu período de espera acabou." Gratidão.

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