domingo, 29 de agosto de 2010

Esconderijo



Vou me esconder. Fechar esse portão e pendurar um pano do exército de fora a fora prá ninguém enxergar minha perna lá da rua. Não tô em casa. Não tô prá ninguém. Gosto dos animais, de ver as formigas carregando as folhas verdes. Ganhei um cachorro, dei banho, tirei os carrapatos, escovei e fiz uma comida caseira prá dar de almoço. Mas a vizinha reclamou que ele latia demais. Tive de mandar embora. O cachorro foi embora. Meu filho também foi. E agora não posso mais cozinhar. Ele não podia esperar um pouco mais? Minha barriga dói e coça quando lembro que ele era eu. Nasceu daqui de dentro dessa barriga. E agora se foi. E agora não posso mais fazer comida. Como vou fazer feijão com essa dor que nunca pára de latejar aqui no meu peito? Como posso sorrir sem uma fita adesiva grudada nos cantos da minha boca? Como se sorri quando a dor é funda assim? Não gosto de gente. Só de bicho. Um dia arrumo minhas trouxas e fujo daqui. Fujo prá uma caverna. Vou juntar um dinheiro e fugir. Só o suficiente prá chegar no meu esconderijo. Vou cuidar dos cachorros, das plantas, dos gatos e dos papagaios. Não quero ninguém que é gente perto de mim. Porque gente é bicho ruim. E essa dor ainda pulsando aqui dentro... Onde estará meu filho, meu pedaço de minha alma? Onde estará agora que Deus decidiu levá-lo prá longe da vida? Prá longe da mãe? Meu filho, que a luz da manhã te proteja e que toda a natureza conspire para que tua natureza livre e criativa continue a brilhar perto das nuvens, dos bichos e do planeta por onde estiver agora. Ajuda tua mãe a sarar essa dor, meu filho! Ajuda porque não resta muito de vida na gente quando o sorriso se vai. Ajuda, filho, porque o quintal da tua mãe vai fechar. Vou botar um pano do exército de fora a fora prá espantar os clientes. E prá dizer a Deus que eu tô aqui escondida na caverna que inventei. Esperando te ver entrar barulhento pela porta com orquídeas e bambus que achara no mato, cheio de idéias prá enfeitar nossa vida...

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