Vão é vão
Valsa é vã
Vai em vão
Valsa vai
Vai em vão
Valsa vem
Vem o vão
Voa em vão
Vai e voa
Voa e vai
Voa em vão
Vão e voa em vão
"Dança do ventre é puro exibicionismo. Uma arte vulgar." Já ouvi essa frase algumas vezes por aí. Quando não é anunciada literalmente, soa nas entrelinhas de um "não gosto muito de dança do ventre", aliada a uma cara de nojo e uma expressão bem pejorativa como se fosse uma arte inferior, vulgar ou uma "não-arte". Imagino que pessoas que tenham esta visão ignorem o quanto uma mulher precisa estudar e transcender obstáculos internos e externos para obter uma dança fluida e simples. A jornada é longa e certamente traz inúmeros benefícios para o corpo, para a mente e, principalmente para a alma. Estou no meu caminho, tentando chegar lá. Aonde minha alma possa voar sorrindo e meu corpo traduzir alaúdes, flautas, violinos e derbakes com amor e sinceridade. Com público, sem público. Simples assim. É complicado ser simples. Mas complicar... Ah, isto sim é bem simples de fazer. A dança do ventre liberta o corpo de muitas amarras e expressa a natureza feminina ao mundo, tão massacrada ao longo da história humana. Para afirmar a natureza feminina e legitimar o espaço da mulher no mundo não é preciso provar à sociedade machista que a mulher desempenha qualquer função masculina com destreza e habilidade (com exceção dos trabalhos braçais, é claro). Isto não é nenhuma novidade, convenhamos. Também não é inteligente apelar para a sensualidade como a última bolacha recheada do pacote. O componente sensual da dança é indiscutível, e, cá prá nós, que poeta não cantou a beleza da sensualidade de uma mulher? Seja pelo olhar, pela ternura, pela força, pela maternidade, pelas curvas.... O que seria do planeta sem as mulheres? Não seria. A dificuldade de ser mulher na atualidade consiste em conciliar a natureza feminina mais pura e simples - e acredito que a sensualidade esteja incluída neste pacote - com todas as funções cotidianas e "verticais" que toda mulher independente precisa desempenhar. Díficil assumir nosso lado "mulherzinha mesmo e daí" com a verticalidade compulsória que o mundo exige como um grito forte no ouvido de mães, avós, solteiras, comadres, viúvas, separadas, casadas, tias, professoras, engenheiras, atrizes, advogadas, médicas, astronautas e bailarinas... Quem é vertical demais vira um poço de frieza e racionalidade. Quem apenas sonha não consegue pisar no chão e caminhar. Então, mulheres de todos os biotipos, idades, formas e personalidades: Dancem, pelo amor de Deus! Ignorantas de plantão: curem seus complexos e traumas antes de criticar quem cultiva a flor no deserto. Esta é uma arte milenar, feminina, pura, digna e legítima como qualquer expressão artística.
Ora grande... Ora pequena... Às vezes o respeito pelo ser humano nos proíbe a alma de fazer qualquer crítica, qualquer correção... Mas existe uma forma de se comunicar sem que haja equívocos intencionais aparentes. Olhar nos olhos do interlocutor mostra o intuito, revela o jogo. Mas não é qualquer olhar à toa, não. Tem que ser aquele olhar de alma de irmão que não demonstra outra intenção senão a que é perceptível ao invisível. Não há engano. Dúvida tampouco. Isso é tão maravilhoso e confortável porque o que move o andar da civilização é a dúvida... E a dúvida ao mesmo tempo que impulsiona traz uma imensidão de possibilidades e de meias-verdades... É tão bom ter atitudes que não falham... O repeito ao outro não falha. Ser humano não falha, nunca, nunca... Por mais que existam possibilidades de recebermos em troca o desrespeito e a ignorância, pode-se ter a consciência tranquila de que usamos a docência em benefício comum. Mas mostrar o olhar não mostra necessariamente a intenção. Mostrar o olhar que sente intenção realmente revela qual é a intenção. Não tem balela, conversinha fiada, diplomacia, boa vizinhança. Só respeito pelo outro. Pré-requisito básico à sobrevivência com as gralhas que se matam por algumas migalhas de pão e por um lugar ao Sol. O Sol nasce prá todos, mas há aqueles que querem seu brilho todo prá si. Afinal, prá que servem as migalhas se todos trilham um caminho que dará em um lugar melhor ao final? Não digo isto por convicção religiosa, político-partidária ou filosófica. Apenas porque meu coração acende uma luz quentinha toda vez que sou mais gente com qualquer gente. Queria correr o mundo conhecendo gentes, apesar de sempre me esconder delas quando sinto que meu respeito não foi retribuído, ou quando sou tão tola ao ponto de não perceber maldade, inveja e malícia vinda de uma gralha qualquer... Daí me recolho até que uma boa ação em minha direção me prove que apesar de todos os percalços, é preciso paciência e sabedoria com as gralhas... Porque não aspiram nada mais do que migalhas... Que se matem por elas... Mas se um dia precisarem de mim, contem com minha solidariedade e com meu mais sincero olhar de respeito. Não por serem gralhas, mas por carregarem potencial de serem gente. Isso é tudo que posso oferecer atualmente por enquanto... Isso é tudo que aprendi. Interações entre minhas experiências e fracassos, constatações, medos, alegrias, amores, desamores, loucuras e saudades. Antes meu olhar era de menina. E agora continua sendo. Não brigo por migalhas. Mas em minha direção, só quero olhar de alma.
Só falta descobrir como é que se vive de sonhos... Assim como quem toca indiferente uma estrela, sem sentir o poder do seu brilho. Não seria esse astro o responsável por uma miraculosa mudança? Por um surto instantâneo de rememoração existencial? Vi Maria com o bebê em cores violetas de neon na aurora celeste em Janauacá. Certamente nunca mais seria a mesma. Mas ainda tinha a carne. Sabia que precisava a ela pertencer por algum sopro de momento na infinitude do tempo. Mas que um dia nada disso mais seria necessário. E os tais elos que nos prendem a este mundo... Parece que aí os nós estão emaranhados. Ter paciência significa perder a noção de tempo terrena sem voar alto. O tempo corre diferente em cada tipo de veia. Mas parece inevitável aprender a compartilhar a mesma noção de tempo. Simples questão de compartilhamento condicionado. E há incompatibilidade nestes ajustes quando as energias são muito distintas. Cada cabeça, um universo. Mas sem disciplina em direção aos ajustes comuns, nada feito. O tempo aqui no planeta é um só. Para a adaptação, para os ciclos biológicos, para a agricultura, para a saudade, para os pássaros, para a dor e para a paciência. O tempo deve seguir uma escala padronizada em todas as cabeças de carne, para que este momento no infinito seja, de fato, compartilhado. Para que o aprendizado seja autêntico e eficiente. Nada de ficar em uma bolha, não, nada disso. A bolha protege, mas isola. Então talvez não tenha como fugir da ordem natural dos terráqueos. Ordem naturalmente transgredida, transposta por ideais de plástico... Mas ser um pouco de plástico talvez funcione como estratégia de sobrevivência de compartilhamento de tempo. Sem ser um pouco plástico, como conviver e compartilhar o tempo comum? Os pensamentos são traiçoeiros ao caminho do meio, porque ao mesmo tempo em que latejam em nossas cabeças de carne a existência de um ideal maior, nos incitam à convivência pacífica com seres destrutivos, egoístas, imediatistas e vergonhosamente materialistas... Idéias de cunho econômico baseadas no consumo e na imagem. A tal crise da racionalidade humana contemporânea que amplia guturalmente a coisificação das pessoas e de seus propósitos... Depois de mais esta crise histórica coletiva, o que estará por vir? Se houver prosseguimento lógico na história da humanidade, após o colapso emergirá um período de trégua e de introspecção reflexiva. Talvez haja colapso maior. Talvez os ajustes do tempo se dêem pelo esforço de uns em abandonar de uma vez a estupidez impregnada e de outros em exercitar a paciência de aguardar o despertar alheio para caminhar sem amarras, mirando o horizonte. Sacrifício dos atentos pelos alheios. A questão é quando exatamente os alheios despertarão? Quando a paciência dos atentos for infinita? Por que a evolução dos toscos depende de sacrifício dos sensatos? Vou fechar meu corpo. Cerrar meus olhos. Tocar as estrelas do meu céu de neon, onde não existe plástico. Só algodão e brisa da manhã no rosto e nos cabelos. Sentirei minhas mãos livres. E minha cabeça de carne será apenas uma cabeça de vento, brilhando em meio a brisa amadeirada das estrelas cor de carmim.


Ao chegar em meu prédio reparo que abriu uma loja de depilação e imediatamente lembro dos esquecidos pêlos crescidos que já mereciam eliminação há algum tempo. Deixei minhas tralhas em casa e desci para me depilar. A loja estava fechada, com a janela semiaberta. Dei umas batidinhas no vidro para me certificar de que não havia ninguém... Nada... Quando me viro para ir embora uma bendita senhora de seus trinta e poucos anos (como eu, aliás) me aparece de repente na janela com uma cabeça benevolentemente escandalosa e um sorriso de plástico assustador dizendo: 'Olááááááááááááá"! Dei um pulo e me voltei ressabiada. Ela se desculpou pelas portas fechadas, mas como não havia aparecido nenhuma cliente naquele dia, ela resolveu fechar a porta (também não entendi...): "Mas já que vc apareceu, entre!!" - se não estivéssemos em 2010, diria que quase escutei um "nhééééééééééc" de porta de castelo mal-assombrado após a sentença. Diante do clima sombrio e da estranheza do lugar, digo quase por um instinto de sobrevivência que poderia voltar outro dia, que não queria atrapalhar, enfim... A senhora gentileza prontamente responde que será um grande prazer em atender me puxando pelo braço e gritando com a boca pro interior da loja: "Janeeeeeeteeeee! Tem cliente prá vc!!". Respiro aliviada, já que não seria depilada pela senhora gentileza do sorriso de plástico assustador, quando me aparece na porta do corredor a Janete. Uma alemã de quase dois metros de altura, cabeleira crescida até a cintura, bigodes, óculos, jaleco, luvas cirúrgicas e aparelho. Senti manifestações estomacais da minha última refeição, mas o que eu era afinal: uma mulher ou um rato? Janete me perguntou o que eu ia depilar com o timbre e a velocidade de seu conterrâneo Adolf Hitler, e eu disse instantaneamente em resposta: "Axila, meia-perna e contorno, senhora!!" Ela deu um irônico sorriso metálico de volta: " Ótimo! Vc já utilizou a cera egípcia?" Respondo que não, mas que se fosse quente tudo bem. Do Egito... Deve ser boa afinal... Ela abre a cortina de entrada do corredor e me conduz até a cabine dizendo: "Vc vai adorar!" Com um frio na barriga me deito na maca e digo que não vou mais querer depilar o contorno, só a perna e a axila. Ela franze as sobrancelhas e o bigode em um nítido questionamento e digo que melhor não, vou esperar mais uns dias, não está tão ruim assim... A contragosto, Janete vira-se de costas em direção à estante de artefatos macabros depilatórios e... Em um silêncio mortal, sob as gélidas luzes brancas fluorescentes vejo a silhueta da alemã passando a espátula na tal da cera egípcia e levantando o braço como quem levanta um punhal... Eu, de suvaco em riste, dou um pulo na maca e vejo seu movimento congelado no ar: "Você está passando bem? Aceita uma água ou um café?". Digo que não, obrigada, que foi apenas um soluço... Que poderia prosseguir... Neste momento lembro-me apenas do calor da cera em meu suvaco e do suor escorrendo pela minha testa, bigode e barriga (não necessariamente nessa ordem) e solto um uivo de pavor e pânico!! Ela pula prá trás raivosamente assustada: "Nossa, vc está meio nervosa, hein? A cera está muito quente?" Dou uma risadinha sem graça e digo que "Não, imagina! Só um pouco aquecida demais, não é?" Ela limpa o suor de seu bigode, puxa um banquinho e diz: "Então vamos aguardar um pouco!"... Silêncio infinito... Nenhuma pergunta prá quebrar o silêncio me vem à cabeça, então fecho os olhos e finjo que estou muito concentrada em mim mesma... Ela quebra o silêncio enrolando a espátula na cera pegajosamente quente e levanta novamente o braço como quem pica cenouras para um ensopado. "Agora deve estar no ponto!" - diz decidida. Lasca-me então a espátula no suvaco direito com a cera caramelizada deixando mil fiapos pelo ar e imediatamente tenta resgatá-los (os fiapos), como quem se livra de moscas... Fico estupafata olhando a alemã degladiando-se com a espátula em riste e os fiapos de cera egípcia no ar, vendo pouco a pouco sua cabeleira se tornando um verdadeiro turbante de cera. "Meu Deus!" - penso com meus botões - "Essa moça vai virar uma múmia e meu suvaco a Mata Atlântica! Preciso sair daqui!". Então interrompo a batalha dizendo: "Olha, Janete! Não precisa mais depilar minha perna, não, tá bom? Eu nem ligo prá depilação na perna, só queria mesmo era salvar o meu suvaco. O que me diz?" Ela vermelha, suada e ofegante diz: "Ah, não! Agora que já comecei, vou terminar, né? Quero dizer... A gente aqui tem muita experiência na área e gosta de fazer tudo com calma, devagar e bem feito prá satisfazer nossos clientes, a senhora me entende, né?". Elevo pedidos de paciência ao meu Santo Guerreiro Expedito e sucumbo covardemente: "Ok, Janete. Vamos terminar." Janete, a estas alturas de turbante, jaleco, aparelho e óculos egipciamente encerados, troca a espátula pela pinça e começa a puxar os fios remanescentes do meu suvaco, fazendo a gentileza de me beliscar a cada puxada de pêlo. Imaginei que na Idade Média esta deveria ser uma boa estratégia de tortura. Já estava perdendo a paciência quando ela dá por finalizado o serviço suvaquesco. "Agora as pernas" - diz ofegante e quase satisfeita, para meu sofrido alívio... Troca a pinça pela espátula, enrolando-a na gosma egípcia e quando vai retirar a espátula do pote, voa um naco de cera quente na minha coxa e na saia. Dou um pulo e ela imediatamente se defende: "Ai, me desculpa! Às vezes acontece essas coisas, né? Hehehe!" Agora a vermelha e suada de raiva era eu e digo que estou com pressa, que preciso ir embora e ela diz que terminará tudo em dois minutinhos mais. A mesma ladainha do suvaco se repete com as pernas, cera quente demais, beliscos com a pinça, fiapos de cera egípcia voando pela cabine e por fim, uma solução de álcool gel para fechar os poros. Só me lembro de sentir tamanha sensação de ardência quando dormi na praia há alguns verões passados... Já tava quase mandando a Janete ir passear na Alemanha ou no Egito, fazendo bom uso da gentileza, começo a me calçar para ir embora resignada, porém depilada (que tristeza), quando a senhora gentileza enfia a cabeça grande e benevolente na cabine perguntando: " E aí, gostou?" A alemã me olha de soslaio e digo que está tudo bem agora. Eu e minha solidariedade ridícula... Vai que a alemã perde o emprego, enfim... Saio da cabine com raiva, doída e triste, pergunto à senhora gentileza na recepção de quanto foi o prejuízo e vou embora de suvaco armado deixando-a com uma ficha de cadastro por preencher na mão e uma cara de interrogação no sorriso assustador.
Serpenteando entre meus pés molhados na poça uma cobra multicolorida tenta me dizer coisas importantes. Ela fala, mas não consigo ouvir o eco de seu movimento, tampouco o som da sua intenção... Tento sacudir meu véu colorido para me comunicar e avisar da falta de recursos sensitivos para detectar sua idéia, mas sinto... Que nada que eu faça conscientemente pode me fazer perceber... Então fecho os olhos e deixo-me vagar livremente pelos toques de seu corpo nos meus pés cansados. E assim, de olhos fechados, bem devagar, começo a sentir a água fria carinhando minha pele, limpando meu ímã de energias terrenas que me dissipam e me partem a alma em diversos cacos... Zilhares de caquinhos multicores que se espalham no ar em círculos seguindo o ritmo de uma música de alma... Ficar em cacos é movimento da alma... E movimento também a fortaleza, o carnaval, o velório, o futebol, a raiva, o desprezo, a ternura, a compaixão e a margem... Então começo a escutar o chocalho da cobra multicor num ritmo frenético, vitral e circular... Um mantra de sons e sensações vitrais coloridas e metálicas que me enviam a uma mandala virtualmente dinâmica... E assim então, meus cacos se alinham conforme o corpo da serpente... E me vejo em outra poça d'água... Carinhando outros pés... Despertando sensações em outros zilhares de cacos multicores de alma.

Anh.... A marola da mesmice... Como são fartas as possibilidades de se entediar com as conquistas e o enquadramento... Tudo tão fútil e mecânico. Tudo de plástico. Sem vida... A pior das invenções foi a etiqueta e as boas maneiras. Uma coleção de regras para excluir a vida real, o sangue, o vento nos cabelos e a música. A vantagem que há nisso ainda não consegui descobrir, mas é certo que a exclusão afirma a sensação de poder e superioridade de uns sobre outros... Comportamento um tanto quanto peculiar ao ser humano... Apesar da ciência disso, às vezes ainda me culpo por questionar tanto essas coisas e me sentir tão alheia ao mundo dos meus semelhantes. Acho que sou um E.T. Só queria mesmo era descobrir o telefone da minha casa...
A fundadora da Casa do Índio em Oriximinã me disse que ela não se aposenta porque gosta de trabalhar e porque se deixar o cargo, os índios choram... Engajada na luta pela causa indígena há 30 anos, ela diz que a lição mais importante que aprendeu no convívio com as diversas etnias foi a necessidade do ser humano de aprender a ouvir. Temos dois ouvidos e uma boca... Os índios sabem ouvir e assim adquirem sabedoria. Ela tem filhos, netos e idade, mas não se aposenta... Tem energia e paixão pelo seu trabalho... E prefere assim... Viva, ativa, lutando pelo que acredita... Linda, de bata vermelha indiana com flores bordadas e um coração maior do que olhos podem expressar... Ivânia tem 51 anos e cara de 35. Inacreditável!! Descolada, bem-humorada e idealista, trabalha no Sistema Único de Saúde há vários anos e participa ativamente de diversos movimentos sociais locais. Diz que sempre questionou as injustiças sociais, sem saber bem o motivo e que o primeiro reflexo desanimador de sua inquietação se traduziu aos 19 anos de idade, quando recebeu um abaixo-assinado do pequeno município onde trabalhava (e reclamava seus direitos com notoriedade) pedindo a sua transferência de cidade... A não-hipocrisia incomodava... E como! Valdimara quem o diga! De espírito forte, livre e marcante, acompanhou as causas sociais desde que se entende por gente e ainda adolescente queria porque queria entender que raios significava o tal do comunismo do qual tantos maldiziam e perseguiam... Mas ninguém respondia... Não se podia responder... Por um lado era bom que fosse assim, caso contrário ela teria se enfiado em uma guerrilha dessas muito nova, em nome do povo, dos excluídos e do bem geral da nação... Cinquenta e seis anos, cara de trinta e oito. Longas madeixas cacheadas, um senso de humor e alto-astral de dar inveja a qualquer psicólogo políticamente correto. Psicóloga, mãe de uma filha e dona de uma enérgica e grave voz que nunca se cala. Assim como estas três pérolas que tive o imenso prazer de conhecer, diversas mulheres maravilhas desse naipe estão por aí pelo mundo a mostrar a verdadeira essência da alma feminina. A força e a sensibilidade que o mundo pôde ver após anos de batalhas pela igualdade de gênero, que parece ser destruída cada vez que uma bunda dura de uma dessas mulheres-abóboras aparece na tv, parece triunfar silenciosamente enfim. Pena que isso não é notícia de tv, nem aparece nos programas de auditório. Pena que a imagem seja o valor do novo milênio. Pena que as verdadeiras mulheres estejam anônimas, dentro de hospitais, escolas, repartições públicas, ônibus e pelo mundo afora. Pena que nossas mulheres maravilhosas estejam assim, disfarçadas... Mas para alívio de minhas angústias femininas coletivas, elas são de verdade!
Céu de pirilampos, dentro do quarto da casa flutuante de madeira... Solimões... Lamacento, bravo, misterioso... Grandioso... Sacolejo de água e barulho de grilo... Noite silenciosamente barulhenta... Quantidade de vida ao redor amedrontadora... Medo confortável... Medo bom... Tanta vida Deus do céu... E a gente também é vida... Então tudo é uma coisa só agora... Todos na mesma barca... Pensamento limpo, vivo, desperto... Lucidez... Consciência de grão de areia... Humildade... O amor existe realmente... Alguém está por trás de tudo isso... Não há mais dúvida... Nunca mais haverá... Certeza absoluta temporária... Poeiril... Volátil... Mas certa, soberana, plena... Por segundos.... Um céu particular homenageando o desvelar do maior segredo e o despertar infantil da fé... Simplicidade... Meu peito dói de arrependimento em algum dia ter ousado duvidar da plenitude da simplicidade... Da singeleza do olhar... Da beleza de um céu de vagalumes piscando só prá mim, escondida nos lençóis gelados naquele colchão plastificado e úmido. Cada respiração sonora e presente, cada passo, cada folha seca, cada vôo de peixe, de inseto, de pirilampo... Como são lindos meu Deus... Como imitam direitinho o céu... Constelações sinuosamente dançantes, rítmicas, transcendentes... Queria tê-los assim, numa caixinha prá levá-los aonde quer que fosse, tendo a certeza de que nunca perderia esta sensação na memória de meus esquecimentos... Maldade boba... Mas prá se ter paz será que é preciso fazer uma maldadezinha também? Queria fechar os olhos e voltar lá... Pegar minha canoa e sair a noite prá ouvir a sinfonia da mata... Pura... Plena... Soberana... Queria voltar prá esse colchão plastificado de onde arranquei toda minha fé... Toda minha alma... Viva, madura, certa, segura, corajosa... A mata é corajosa e assim aprendi a ser... Queria voltar lá. Viver lá... A gente precisa de tão pouco prá viver... Dói isso aqui... Por que nos distanciamos tanto da beleza das coisas... Da simplicidade da vida... Vagalumes dançando no teto... Vou voltar lá um dia com minha filha e mostrar a ela o lugar onde tudo faz sentido... Onde tudo se encontra... Onde a fé nasce e o arrependimento corrói as veias do coração, não deixando nenhum sangue ruim passar prá nossa cabeça nos fazendo duvidar da singeleza, da simplicidade e da beleza da vida... Um dia... Novamente... Aqui dentro... Vagalumes... Pirilampos...
O que é mais confortável? O que faz mais sentido prá vc? A correria cotidiana talvez remeta a pódiuns de status materialmente privilegiado para alguns... Para outros tantos não concede status, porém alivia as carências materiais e proporciona o justo gozo de pequenos prazeres, ocasionalmente... Para uns isto é suficiente. Para outros isto é mecânico e vazio... Mas o que importa o quão cheia de espaços vazios está a vida humana? Desde que a existência se tornou essencialmente o ato de reproduzir o que foi aprendido pelas gerações anteriores, pouco importa os mistérios da jornada humana no planeta e o sentido da existência. E isto realmente não tem muita importância no dia-a-dia. Do ponto de vista científico, houve grandes avanços nas descobertas de fósseis que comprovam nossa ancestralidade essencialmente negra, nas pesquisas de curas para epidemias e patologias crônicas; na velocidade de disseminação de informações, nas telecomunicações, na alta tecnologia de exploração do espaço extra-terrestre... Do ponto de vista psicológico, ponto do qual me atrevo a dar alguns pitacos por ser assunto de meu interesse e curiosidade de longa data, o inconsciente coletivo parece agir de forma magistralmente mecânica. A maioria dos dias são muito parecidos e o tempo vai passando com o reforço de nossa pequenez e impotência diante da sistemática da vida... Pensava que a vida não era assim, sistemática... Achava que poderia ser feliz um dia, plantando batatas, salsa, cenoura e alface. Vivendo da terra. O que mais nos seria tão mais necessário? O ser humano criou uma série de artefatos, coisas e costumes tão arraigados em nossas cabeças que perdemos nossa essência. Perdemos a relação temporal com o planeta, a relação de claridade e escuridão, a relação de pertencer ao planeta como criatura, como ser vivo.... De pisar com os pés descalços no chão e sentir a terra entre os dedos. De sentar embaixo de uma árvore e se sentir abraçado e protegido. De tomar banho no rio e sentir o cheiro dos minerais e ver as cores dos peixes... De ouvir o canto dos bichos e saber que horas são... De conhecer o formato da copa das árvores e isso ser uma referência de localização, tanto quanto uma placa de trânsito... De perceber a presença de algo ameaçador pelas costas por simples aproximação... Parece que nossos instintos nos traem o tempo inteiro... Nos enchemos de coisas e mais coisas o tempo inteiro... Sufocamos nossa alma com troços, informações, coisas e só o que nos retorna é uma vida vazia, com propósitos vazios, vagos, sem sentido... Emburrecemos. No decorrer de nosso aparecimento neste planeta fizemos uso de nossa inteligência, descobrimos a roda, a pólvora, a luz elétrica, as microondas, o foguete e a internet... Provamos ao mundo e a todas as criaturas o quanto somos bons e inteligentes. Homo sapiens sapiens... E agora... Toda nossa pressão parece ter esgotado enfim a capacidade de suporte do planeta... Sentimos calor quando deveríamos sentir frio, ou mais frio do que deveria, chove muito onde antes não chovia, onde deveria chover não chove... Onde tinha planta, tem concreto e onde ainda não há concreto, certamente, em breve haverá... E na cabeça de um cidadão simples, comum, pode às vezes vir como um lampejo de lucidez, um questionamento incidental sobre seus verdadeiros propósitos... Mas, o que é verdadeiro? Nietzchie se remexerá no além tumúlo ao ouvir tamanha idiotice, afinal, não existe verdade. Mas creio que, essencialmente, de alguma forma, deve existir algo que é de fato uma representação de nossa origem e do que deveríamos fazer bom uso por simples sensatez. Nossa origem é comum a de todos os seres, então o que nos distancia tanto da simplicidade da vida e das coisas? O que fizemos com a nossa existência? Por que viramos essas criaturas-coisas e nos enchemos de objetos? Podemos tentar sair dessa correria desenfreada que criamos e desacelerar nossos passos... Poderíamos tentar voltar ao campo, voltar à mata e lutar contra o andamento do mundo inteiro... Não seria tarefa fácil e aliviaria esta crise de propósitos de forma pontual... Antes, é claro, de sermos completamente rechaçados do ambiente natural pela fragilidade de nosso organismo. Definitivamente, não é assim que caminha a humanidade. Então poderíamos parar de correr e continuar a sobreviver nas sociedades que criamos... Ficar num marasmo com toda a demanda de informações e bombardeio de consumo relampeando nossas cabeças por todos as direções, tempo e espaço... Estaríamos fora da jogada... Porém cheios de ideais. O negócio seria conseguirmos ser felizes assim, cercados, por todos os lados, em todos os lugares, durante todo o tempo... Não vejo muitas alternativas e é com pesar que aqui declaro uma sensação de perda total... Perda da consciência, perda de motivos, perda de perspectivas e perda de esperança. Só não perdi ainda a vergonha. É tudo o que me resta. Talvez o que haja em comum a todos nós, mulheres e homens contemporâneos, independente do tipo de vida, ideais e crenças, seja apenas nossa solidão...


Então tudo recomeça.... Quatro horas de luta, dor e desespero... Corre, meu filho! Foge, grita, tenta, tenta, tenta, Elias! Tenta, Elias! Luta, Elias! É inútil... Tua vida não te pertence... O que fizeste para receber tantos golpes de objetos pontiagudos e cortantes, Elias? O que fizeste para ver teus filhos observando teu corpo dilacerado em frangalhos? O que fizeste para nascer porco? O que fizeste para nascer porco, Elias? Vai, Elias, foge! Grita, foge, grita, chora, sofre... Vai morrer, Elias! Faz teu último protesto! Teu último pedido, Elias! Arrepende-te, Elias! Vai, rápido, antes que te matem todo! Antes que te acertem o cérebro. Diz, Elias, o que quererá de mim, teu Deus, na hora do fim que a ti designei? Diz, Elias. A mim, que acalmarei tua dor e tua agonia, que sentirei contigo teu último suspiro, que verei tua carne nos pratos mastigada por homens e cães... Ainda não acabou, Elias... Vai, corre prá direita agora, vai, Elias! Isso, Elias, por baixo da porteira, empurra com o focinho que cede... Vai, Elias! Luta! Vai, está quase! Olha prá trás que quase o caboclo te decepa o lombo! Acorda, Elias! Tá na hora de morrer, meu filho! Vai....... Assim...... Pronto...... Elias? ........ Pode me ouvir?....... Sente teus miolos pelos ares.........Arejando...... Pipocando........ Rodopiando....... Em órbita..... ao redor dos teus filhos.... Vê, Elias.... Que triste tua trajetória.... Não passa de um fantoche meu, Elias... ..Abaixa a cabeça pro teu Deus.... Junta teus miolos e pede perdão prá quem sempre te bateu de braços abertos..... Prá quem sempre te consolou com uma rasteira..... Prá quem sempre te afagou a cabeça com espinhos..... Prá quem sempre saciou tua sede com fel... Prá quem sempre te fez sofrer porque te ama..... Sabe quem é teu Deus agora, Elias? Pensava existir dois contrários..... Pensava sermos um no céu e outro no subterrâneo, não é mesmo? Vem, que teu Deus vai te consolar agora...... Teu Deus que te odeia e que te ama, que te fere e que te cura, que te morde e que te beija, que te vive e que te mata...... Vê, Elias: teu Deus em um só...... Deita-te em meu colo prá que eu te corte a alma em postas pro jantar..... Já é tarde..... Te amo, meu filho querido...... Descansa em paz.
Tive uma visão tão esquisita e comovente hoje ao passar pela Av. Boulevard Álvaro Maia, que resolvi registrar. Não ando muito atraída por animais ultimamente, até prefiro não tê-los para me economizar trabalho, tempo e energia, mas Marronzinho tocou minha alma duma maneira quase humana. Passei de carro em frente a um bar bem muquifo e um cachorro marrom estava deitado na rua em frente ao bar, perto do meio fio, desafiando a própria vida dum jeito tão tranquilo que fiquei impressionada... Tinha o pêlo tão brilhante que se não fosse a sujeira, diria que tinha uma casa e um dono. Ele estava deitado de bruços com a cabeça sobre as dianteiras e as traseiras bem relaxadas, assim esticadas no chão... Uma caaaaalma... A ponto de perder a cabeça esmagada por algum louco distraído ou perverso a qualquer momento. Em que será que pensava? Imaginei que talvez estivesse sob o som inconsciente da 9ª Sinfonia de Beethoven, em uma espécie de paraíso dos cachorros, em um campo de flores amarelas enorme, estendido até onde a vista alcança, com vários cachorrinhos e cachorrões, brincando e dançando sublime ballet em câmera lenta, assim muito leve e devagar.... Que sonhos caninos o adormeciam? Que bons fluidos o acalmavam em meio ao caótico trânsito de carros, motocicletas, ônibus, caminhões e bicicletas?? Que anjos canídeos o protegiam? Que fé animal o mantinha tranquilo e vivo?? Não sei se Marronzinho teve um fim, mas resolvi dar-lhe o nome, prá nunca me esquecer dele... De sua coragem e tranquilidade em meio ao caos. Olhei-o por segundos apenas, mas sua imagem será eterna em minha lembrança...Parte I
Aos maliciosos, meu desprezo.
Aos oportunistas, meu silêncio.
Aos invejosos, minha piedade.
Aos rancorosos, meu abraço.
Aos traiçoeiros, meu perdão.
Aos venenosos, minha gargalhada.
Aos pequenos de alma, minha nobreza de coração.
Parte II (na TPM)
Aos maliciosos, um soco no olho.
Aos oportunistas, um tapa na boca.
Aos invejosos, um grito no ouvido.
Aos rancorosos, um peido de ovo e salame.
Aos traiçoeiros, um cd do Wando.
Aos venenosos, um mousse de alitche.
Aos pequenos de alma, um pontapé no traseiro.
Ana Raquel Camões Moura Brasil de Assis Chapolin
"Não, não há na terra nem alegria, nem felicidade, nem prazer que não venha de mim. Vede, primeiramente, com que previdência a natureza, essa terna mãe do gênero humano, teve o cuidado de semear em toda parte o condimento da loucura! Pois, segundo os estóicos, ser sábio é tomar a razão como guia; ser louco é deixar-se levar ao sabor das paixões. Ora, Júpiter, para suavizar um pouco as agruras e os desgostos da vida, não deu aos homens mais paixões do que razão?"
"Agora me lembrei de que houve um tempo em que para me esquentar o espírito eu rezava: o movimento é espírito. A reza era um meio de mudamente e escondido de todos atingir-me a mim mesmo. Quando rezava conseguia um oco de alma - e esse oco é tudo que posso eu jamais ter. Mais do que isso, nada. Mas o vazio tem o valor e a semelhança do pleno. Um meio de obter é não procurar, um meio de ter é o de não pedir e somente acreditar que o silêncio que eu creio em mim é a resposta a meu - a meu mistério."
Acho que talvez não entenda bem o funcionamento dos fatos na vida cotidiana. Talvez nem deva tentar entender mesmo. O fato é que a cada dia, cada vivência traz consigo um caráter essencialmente causador de uma insustentável dureza do ser. Sim. A isto os acadêmicos denominariam condicionamento operante ou aprendizagem por estímulo negativo, talvez Pavlov tenha algo a ver com isso, se não me falha a memória. De tanto tomar na cabeça estou ficando dura, medrosa. Decepcionada com minha tosquice e com o velho pensamento machista que domina a ordem das coisas. Não vou aqui ficar divagando sobre relacionamentos ou a ordem social estabelecida, mas ilustrando apenas o quanto estas coisas dentro de determinado contexto podem torrar verdadeiramente o saco de alguém. Prá quem está com a vida ganha isso pode ser ótimo. Tão divertido como ir a um parque aquático aos domingos escorregar no toboágua, ouvir pagodim e comer coxinha frita engordurada na cantina. Mas prá quem está passando por maus bocados tentando um espaço profissional no mercado, criando filhos, pagando aluguel, prestação de automóvel, mensalidade escolar, dentre outros, um relacionamento se torna, no mínimo, uma demanda. Mais uma coisa a se resolver em meio ao turbilhão informativo e tecnológico que o homem atual precisa digerir para sobreviver. O meu saco está um tanto quanto bem passado. Tenho vontade de ficar encolhida num canto esperando a maré baixar. Assim, virando besouro. Se tem algo na vida que tenho certeza, além da morte, é de que vale muito a pena rir de toda esta badalhoca. Uma sessão de risadas equivale a diversos abdominais e libera endorfinas, maravilhosos paliativos contra o pessimismo e a depressão. É isso aí. Sem falar na possibilidade de adquirir uma cinturinha de pilão. Rir de si mesmo. Rir da desgraça. Fazer chacota com o sofrimento e malabarismo com a pequenez humana. Esta deve ser, enfim, a razão de viver.